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Nos últimos artigos tenho explorado o universo da criação sem limites, em que o artista-criador se coloca num posicionamento central de sua obra. A mímica, como arte completa de criação, nos dá ferramentas de compreensão para ir além das técnicas. Ela nos permite extrapolar seus entendimentos do palco para a vida cotidiana ao fornecer elementos que ampliam nossa consciência corporal. Deste modo, nosso olhar se torna mais aguçado especialmente na área das comunicações.


A mímica cotidiana é a linguagem do corpo que está presente em nosso dia-a-dia. Como ler melhor os gestos, interpretar melhor essa linguagem tão complexa e ir além do entendimento das palavras? É isto que vou explorar hoje!


Para além da importância do entendimento do que se é dito em palavras, está o entendimento do que nos é comunicado pelo corpo! De nada adianta um discurso alinhado se o corpo do emissor está totalmente incongruente com a sua mensagem! E este estudo, este aprofundamento no entendimento das artes do corpo, da mímica corporal e vocal do dia-a-dia, se torna uma ferramenta primordial, não somente para o ator ? em que se exige uma excelência na sua consciência corporal ? mas, também, para todos que se interessam pela comunicação eficaz em suas profissões, em seus relacionamentos, nas situações corriqueiras do dia a dia.


Nosso corpo é o emissor favorito do nosso inconsciente! Quantas vezes você já não vivenciou uma situação em que a empatia, por exemplo, aconteceu de maneira imediata com alguém e você se flagrou pensando, ?Nossa, gostei tanto de Fulano!?. E por que isso aconteceu? A conversa foi rápida e simples, Fulano não se alongou muito, mas mesmo assim, ?que sensação boa ficar perto de Fulano!?. Já Ciclano aparece um tempo depois, com um discurso perfeito, impecável! Mas a sensação é a de que Ciclano não é uma pessoa muito confiável. Existe ?algo? ali que não fez muito sentido. Um ruído, uma dissonância. Você e sua mente consciente não conseguem apontar muito bem o que é. Mas, inconscientemente, essa leitura acontece!


Os cinco ?Cs? da linguagem corporal são os cinco elementos que nos auxiliam a interpretar melhor os gestos e as movimentações, aguçando nosso olhar para o que realmente está sendo comunicado. Vamos lá?


1. CONTEXTO

Imagina o seguinte: você, andando pelas ruas, domingo de manhã. Encontra um conhecido com a postura curvada, olhando para baixo, respiração pesada. Os sinais indicam que essa pessoa está triste, deprimida talvez, em estado de sofrimento certamente! Mas ao se aproximar, você percebe que ela está vestindo trajes de esportista e, mais ao fundo, avista uma faixa escrita ?Chegada? com vários atletas que acabaram de finalizar uma maratona atrás do seu conhecido. Ele é o vencedor! ? não poderia estar mais feliz! Porém, a sua postura ? se analisada isoladamente ? indica uma expressão triste, derrotada. Ao perceber o contexto, entendemos que seu conhecido está feliz, mas muito cansado!


2. CONGRUÊNCIA

Qual é a relação que se estabelece entre as linguagens corporal e vocal? O foco aqui é nos mantermos atentos à mensagem comunicada pelo corpo ? ele não mente como as palavras! No teatro dizemos que o ator é verdadeiro, quando seu texto corporal é congruente ao texto dito. O público, mesmo sem entendimento da técnica, sempre consegue identificar quando um ator é ?canastra? e não convence. Sabe aquela sensação de que ?as palavras não cabem na boca do ator?? Pois então! Soa falso e assim é na vida cotidiana também: quando você não acredita em alguém ou quando você não consegue convencer o outro, por melhor que sejam os argumentos apresentados, a atitude corporal certamente está incongruente! Albert Mehrabian,  psicólogo e pesquisador, diz que 93% do que interpretamos não vem da palavra, mas sim do corpo e da maneira como falamos e, com isso, a palavra ganha a sua real importância! Reflita sobre isso!

 

Outra situação muito comum é quando assistimos a uma palestra, na qual o assunto é muito interessante, mas não conseguimos prestar atenção no palestrante e pior, não damos credibilidade a ele. A incongruência causa esse efeito!


 3. CONJUNTO

Um dos maiores erros que podemos cometer nessa área é interpretar um gesto isoladamente do corpo. É como interpretar a palavra sem saber a frase a qual ela pertence. Um simples aceno de mão com um sorriso no rosto e o peito estufado tem um significado totalmente diferente do que um aceno com os ombros e rosto tensos. Consegue identificar situações vivenciadas por você em que a interpretação isolada de um gesto te colocou numa saia justa?


4. CULTURA

Você chega para participar de uma palestra, ou simplesmente chega em um lugar novo. A primeira atitude: ?vamos quebrar o gelo? e você sai cumprimentando todos apertando as mãos, colocando suas mãos nos ombros dos demais, dando ?tapinhas nas costas?. Sorriso largo e gestos afetivos, claro, se estivermos imersos numa cultura latina. Certamente isso seria uma invasão de privacidade, quase ofensiva, se estivermos falando de algumas culturas orientais.

O significado dos gestos varia muito de um ambiente para outro. O que é adequado em seu meio pode ser totalmente inadequado em outro. Não precisamos ir muito longe: cumprimento de paulistas geralmente envolve ?um beijinho? no rosto. Já para os cariocas envolve ?dois beijinhos?. Que desconcertante quando um paulista deixa o carioca no vácuo, não?


5. CARACTERÍSTICAS PESSOAIS

Depois de tudo que consideramos no trânsito da mensagem corporal e vocal, no ambiente em que estamos e seu contexto cultural, não podemos ignorar o histórico de vida da pessoa. Cada ser constrói um repertório gestual único. Quando convivemos com alguém por um tempo, passamos a identificar os gestos que caracterizam a personalidade daquela pessoa. As vezes eles podem fugir do padrão, mas se tornam naturais para ela.


Em uma certa ocasião tive uma aluna que fez um curso comigo e, na primeira aula, não pude deixar de notar a expressão fechada em seu rosto, a agitação na sala de prática corporal. Ao final da aula ela pediu para conversar em particular. Pensei, ela vai me dizer que o curso não é para ela, que não gostou e vai pedir para sair. Qual não foi a minha surpresa quando a ouvi dizer o quanto estava emocionada e feliz por ter encontrado o que procurava. Curioso, a questionei sobre o que teria feito se não tivesse gostado. A resposta: ?teria ido embora nos primeiros minutos?.


Os hábitos e comportamentos gestuais são únicos! Precisamos ter muito cuidado para não rotularmos as pessoas. Carol Goman  tem uma pesquisa muito interessante sobre o assunto. Fica a dica para quem se interessar no aprofundamento dessa complexidade que é a comunicação verbal e não verbal!

 

E então? Que tal ampliar a consciência sobre o que seu corpo anda comunicando, hein? Alinhar os cinco ?Cs? da linguagem corporal e melhorar significativamente o que comunica e como analisa as mensagens que chegam até você no dia-a-dia! Até já já!